terça-feira, 27 de abril de 2010

Amor da vida toda



- Será que quando tivermos 40, 50 anos, vai ser exatamente dessa forma?
- Tenho certeza que vai.

A resposta simples e direta de Henrique intrigou Betina por vários dias. Tudo que ele dizia e fazia desde que ela o conhecia nem sempre fazia sentido. Era um homem de poucas palavras. Nunca falara sobre os dois. Soltava-se pouco e só após longos anos de convivência olhava nos seus olhos quando falava ou a beijava.

Ela era justamente o contrário. Falava o que pensava, o que sentia, perguntava muito, mas obtinha poucas respostas. Queria compreender sua forma de agir, descobrir o que sentia e o que queria. Decifrá-lo era um desafio todas as vezes que se encontravam. E tanto fazia. Depois de anos sem se ver ou sem ter notícias, o desejo, a ligação forte entre os dois era a mesma.

Certo dia, Betina organizava papéis e coisas antigas quando encontrou suas agendas antigas. Havia coisas da época do colégio, da faculdade, pareciam de uma outra vida. Deixou a poeira que limpava de lado e debruçou-se sobre os escritos antigos. Recortes de títulos de revistas, ingressos, embalagem de bombom, entre histórias e momentos engraçados e outros nem tanto assim. Percebeu que Henrique estava presente, de uma forma ou de outra, em todos os anos da sua vida.

Resolveu que precisava mostrar para ele tudo aquilo. Finalmente havia chegado o momento de ele saber a verdade sobre o que ela sempre quis. Num encontro, mostrou-o tudo em tom de brincadeira.

- Não sabia que tinha sido assim, surpreendeu-se o rapaz.

E foram muitas idas e vindas ao longo da vida. Ele sempre namorando, ela também. Entre um relacionamento e outro, se viam, se curtiam, mas nunca, apesar dela querer, assumiram nada sério, nem para eles nem para ninguém. Alguns amigos sabiam do envolvimento, mas não se metiam.

Num desses reencontros, deitada nos seus ombros largos, onde se sentia protegida, Betina fez mais um dos seus comentários sem noção:

- Acho impressionante a forma como a gente se entende, mesmo passando tanto tempo sem nos falarmos, sem nos vermos. Como a gente se sente a vontade, sem saber tanto um do outro, e quanto nos conhecemos, sem conviver. Não consigo ficar com raiva, mesmo quando você comete erros comigo que, se fosse outra pessoa, seriam imperdoáveis.

- É verdade. Já pensei nisso algumas vezes.

- Pensou? Nunca imaginei que você parasse para pensar em alguma coisa relacionada a gente. E chegou a alguma conclusão?

- Que, embora a gente nunca tenha vivenciado nada parecido com um relacionamento, você é alguém muito especial na minha vida, ou melhor, nas vidas que já vivemos. A gente já se encontrou e está se reencontrando aqui para aprendermos algo um com o outro.

- Engraçado que eu estava falando da gente com uma amiga e ela disse que nós, de alguma forma, nos amávamos.

- E você acha que é isso? Que nos amamos?

Betina titubeou. Não podia falar pra ele quantas vezes já tinha se apaixonado por ele ao longo da vida.

- Talvez possa ser uma forma de amor sim. Que sentimento perdoa, não guarda rancor e não cobra se não for o amor?

Depois disso, ele não falou mais nada... Ela também calou. Alguns momentos depois, enquanto se aconchegava ainda mais no calor do corpo de Henrique, Betina quis provocá-lo:

- Melhor deixar esse assunto para depois, não é? Melhor aproveitarmos ao máximo esse momento porque não sei se vamos nos encontrar novamente.

- Tá falando besteira? Nós não vamos morrer amanhã, vamos?

E se amaram novamente...

Mas ela estava certa. Ele sumiu da sua vida. E, agora, ela decidira que seria para sempre.

(Abril de 2010)

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