No som do carro, Bete colocara músicas diversas, era a playlist das canções que compartilharam durante anos e planejavam ouvir juntos. Carlos começou a contar como tinha sido a viagem, das turbulências, enquanto ia reconhecendo as músicas. Ela como tinha fugido do trabalho. Tinham pelo menos duas horas de estrada para conversar. Iam lembrando do que conversavam na internet, quando e como haviam se conhecido naquela sala de bate-papo da moda no fim dos anos 1990, e de como imaginavam aqueles primeiros momentos.
- Não acredito que finalmente estou aqui contigo, Bete. E por completo.
- De alguma forma esperei por você todo esse tempo. Isso não pode ser fantasia. Ele olhou-a com ternura e beijou sua mão.
Conversavam sem parar. Bete falava das cidades que cortavam, de como adorava dirigir. Ele do quanto gostava de viajar, citando lugares que visitara e os que gostaria de conhecer. Animada, contou do sonho de cruzar o país de carro. Carlos dissera que qualquer hora dessas toparia fazer aquilo. Riam muito. Mãos bobas trocavam carinhos e algumas provocações.
Quando estavam se aproximando da cidade onde ficava a praia que iriam, Bete calou-se por alguns instantes, ficou séria. Precisava fazer aquela pergunta.
- Você tem certeza de que é isto que você realmente quer, que é aqui que gostaria de estar nesse momento?
- Tenho. É aqui, hoje, com você, que vou recomeçar a minha vida.
Bete sorriu. Ele apertou sua mão. Era o que precisava ouvir para seguir adiante.
Disfarçando a euforia após aquela afirmação, pararam para comprar algumas coisas: água, besteiras para comer. Na mala do carro, ela levou champanhe, morangos e chocolate. Deram uma volta na cidade e se dirigiram à praia dos sonhos.
O chalé que estava reservado para os dois ficava estrategicamente de frente para o mar. Ao se aproximar, o semblante de Carlos foi mudando.
- O chalé está todo iluminado. É assim mesmo?
- Sim, como eu pedi.
- Pediu?
- Pedi... Sorriu e puxou-o pela mão.
Ao entrarem no chalé, muitas velas, taças. Ao fundo o som das ondas. Bete pegou a bebida que trouxe na bolsa térmica para colocar para resfriar um pouco mais. E Carlos se espantou novamente:
- Champanhe? Como?
- Venha, disse Bete. Traga suas coisas.
Pediram o jantar. Abriram o champanhe, beberam e conversaram mais e mais deitados na rede da varanda.
Ao se beijarem, tocarem-se, nem parecia que aquela seria a primeira vez juntos de verdade. Ele levantou e puxou ela para dentro.
Devagar, perto da cama, foi tirando a sua roupa. Olhava para ela com intensidade. Despia Bete com os olhos. Ela foi tirando a roupa de forma provocante, meio envergonhada até. Entregaram-se um ao outro, à paixão que há muito sentiam e não podiam vivenciar. Entre um suspiro e outro, ele tomou o rosto de Bete delicadamente e beijou-a. Ao pé do ouvido, sussurrou: - Te quero o resto da vida...
Prazer, felicidade, tantos sentimentos guardados por tanto tempo agora explodiam. As palavras de Carlos tinham sido o estopim para um verdadeiro êxtase, quem sabe o primeiro verdadeiro e real. A tradução do amor que respeita e espera.
Dormiram nos braços um do outro. Ora era Carlos que acordava e olhava Bete dormindo. Ora era Bete que abria os olhos e ria enquanto ele descansava.
Nos dias que se passaram, os dois caminharam na praia, tomaram banho de mar e tentaram colocar suas histórias em dia. Agora podiam conversar sobre o erro que cometeram, da angústia e do remorso que apagaram a felicidade do último encontro dos dois. Mas era tempo de aproveitar cada instante. Tinham tanta fome de estar juntos. O tempo de dieta acabara.
No domingo voltaram para a capital para que ele pudesse trabalhar no dia seguinte. Ela queria que Carlos ficasse na casa da sua mãe com ela. Ele tinha vergonha por conta de sua situação pendente. Deixou-o num hotel respeitando sua vontade e ponto de vista. Mas, quando estava saindo, ele a surpreendeu novamente:
- Você também me ama? Se me ama venha embora comigo.
O pedido significava para Bete muito mais do que, simplesmente, deixar para trás os amigos, o trabalho e a família. Ele era o amor da sua vida, tinha filhos e não podia ficar longe deles.
Bete ia responder, mas o telefone tocou. Ele atendeu na frente dela, sem pudor algum. Não havia como ter ciúmes de Ana, a esposa dele. Respeitava-a muito, admirava-a, apesar de tudo. Falaram rapidamente sobre como estavam os gêmeos, agora com quatro anos.
Quando decidiu viajar, Carlos contou tudo para Ana, absolutamente tudo. Falou sobre como Bete havia entrado na sua vida e do que representava. Da amizade, da forma como se apaixonaram e desapaixonaram, das opções que fizeram, de como elas os afastaram e os aproximaram. Da cumplicidade sem a presença. De conhecer muito e, ao mesmo tempo, não saber dos detalhes e nem conviver. De como a presença de Bete em sua vida muitas vezes contribuiu para que o relacionamento deles se mantivesse. E do único encontro a sós que teve com ela. Único.
Ana tinha uma história de vida admirável. De família humilde, suas conquistas foram fruto de muito trabalho e dedicação. Foi com ela que Carlos construiu grande parte de sua história, do que tinha. Enfrentaram e superaram juntos problemas financeiros, familiares. Ela tinha esse trunfo nas mãos, mas não podia mais usá-lo para manter o casamento. Nunca haviam cogitado se separar apesar das dezenas de discussões sobre a relação. Mesmo com os filhos, com as conquistas, com uma vida inteira juntos, o que havia entre eles já não satisfazia a ambos. E Carlos foi claro. Não queria tentar mais uma vez como tantas outras.
- Ana, não aguento mais discussão.
Encerrou a ligação dizendo que na volta teriam a derradeira conversa. Beijou Bete e pediu desculpas. Ela não esperou muito:
- Vou com você.
A mudança na vida de ambos foi acontecendo com os meses que passaram. Ele saiu de casa e conquistou a guarda compartilhada dos filhos. Ela conseguiu um emprego em São Paulo e se mudou. A relação, que antes era virtual, fora sendo construída dia a dia, com paciência, dedicação e muito amor. Bete acolheu os filhos dele como se fossem seus.
Nas férias, fizeram a primeira viagem de carro. No ano seguinte, Eduarda nasceu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário