sábado, 5 de junho de 2010

Eu quero ser do bem

Em 31 anos de vida foram incontáveis as vezes que passei por baixo do viaduto que cruza a Avenida Sul e a Rua Imperial, mas proximidades do perigoso bairro dos Coelhos, perto do centro do Recife. É neste bairro onde fica localizada a favela do Coque, uma das comunidades mais pobres e com um dos maiores índices de criminalidade da cidade. Claro que sempre passei por ali o mais rápido possíve, por causa do medo da violência, e sem dar muita atenção, pois considero aquele um dos lugares mais feios e tristes da cidade. E foi ali debaixo desse viaduto que já foi o lar de dezenas de famílias de catadores de lixo que almocei hoje.

Feijão com verdura (jerimum, maxixe, repolho, chuchu...), arroz, farinha e carne cozida. Um copinho de refrigerante para acompanhar. Tudo trazido com o maior carinho numa bandeja improvisada numa “tábua” de jogar damas e servido numa mesa improvisada com cadeiras e bancos velhos.

Quando paramos no local, pensei que fosse um bar ou algo do gênero, mas era a casa de alguém que fica junto ao viaduto. Num primeiro momento, confesso sem vergonha, fiquei com receio, pois o ambiente onde a comida foi preparada não parecia ser o mais adequado. Depois pensei: sabe de uma coisa? Bah... Vou me deliciar!

Um ventinho gostoso no rosto, conversa com gente simples e sofrida. Cachorros e gatos nos rodeando. Uma ou outra carroça de lixo reciclável mais adiante. Mas me senti à vontade. A moça que nos serviu que, pra variar não decorei o nome, chegou junto e no primeiro momento que ficamos sozinhas começou a falar dos problemas pessoais. É uma gente carente de atenção e de carinho...

Depois desse almoço delicioso, inesquecível, andei pelas ruelas da favela do Coque. Fui apresentada à realidade vivenciada pelos meninos e meninas que participam do projeto “Eu sou do bem”, que é voltado para a área de educação ambiental e saúde coletiva das crianças moradoras da antiga Favela do Papelão, que ficava no viaduto que citei. Acompanhei Laurimar Thomé, uma das coordenadoras do projeto, que ia batendo na casa das pessoas, convocando as mães que têm filhos no projeto para ajudar no mutirão que acontece ao longo desta semana para pintar e limpar a casa onde em breve vai funcionar a “Associação dos Amigos da Vila do Papelão”.

Seguimos de casa em casa acompanhados pelas crianças que a chamam carinhosa mente de (tia) Laurinha. Os meninos colam em você como se você tivesse um ímã. Mas o melhor de tudo foi poder ter encontrado meu afilhado Merryson novamente. Eu o conheci há algum tempo, numa festa que o projeto promoveu para comemorar a Páscoa. Aos 11 anos, o menino tem problemas cardíacos, mas sonha em ser jogador de futebol. Não sei ainda muito bem sobre o seu histórico de vida, mas já deu para perceber que todos ali têm trajetórias marcadas por contado direto ou não com algum tipo de violência. Ele é um fofo. Quando me viu, me deu aquele abraço. Correu em casa pra tomar banho e voltar todo cheiroso pra só me largar (literalmente) quando eu fui embora. Já combinamos que no próximo sábado eu vou vê-lo jogar lá no Sport, onde ele treina durante a semana.

Mas voltando ao Eu sou do Bem, o projeto beneficia cerca de 80 crianças de 3 a 15 anos. Entre as atividades realizadas estão aulinhas de higiene, cidadania, educação ambiental, bem-estar e oficinas de leitura. Elas funcionam como um grande incentivo à cidadania e à inclusão social. Para participar, toda criança precisa estar matriculada e frequentando alguma escola da rede pública, devidamente higienizada, calçada e vestida, além de obedecer a regras “simples” de cidadania como, não sujar o lugar onde convivem e partilharem das benesses recebidas.

Ao sair do Coque, lembrei que ao ouvirmos falar de um lugar rodeado por miséria, esquecemos que no mesmo lugar onde brota o que não presta, ainda há muita gente resistente, que não se entrega e tem muito o que dar e o que ensinar. Por isso, decidi que agora é o momento de começar a trabalhar em algo assim. Sempre tive vontade e, mais uma vez, a oportunidade de fazer alguma diferença na vida de alguém bateu em minha porta. Agora eu quero ser do bem. Quem quiser vir comigo, que me siga.

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